segunda-feira, 8 de junho de 2015

CICLO Rever Manuel Guimarães

No centenário do nascimento de Manuel Guimarães (1915-1975), a Cinemateca homenageia o realizador com uma retrospetiva integral da sua obra, numa iniciativa realizada em colaboração com a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira / Museu do Neo-Realismo, no contexto da exposição que ali será inaugurada a 17 de Outubro próximo - Manuel Guimarães, Sonhador Indómito, com curadoria de Leonor Areal - e da edição do catálogo dessa exposição que contará com o apoio da Cinemateca. Um dos mais incompreendidos e mais injustamente desconhecidos realizadores portugueses, a cuja obra a Cinemateca dedicou uma primeira retrospetiva em 1997 (“Manuel Guimarães: A Travessia do Deserto”), Manuel Guimarães é um nome incontornável na história do cinema português e o autor de uma obra importante que é urgente rever e redescobrir.

Manuel Guimarães acolheu nos seus filmes influências e referências das mais variadas proveniências, da literatura à pintura e, no cinema, do expressionismo alemão ao realismo poético francês, do cinema soviético ao cinema clássico americano. Os seus filmes tocam, ainda, tanto a mensagem social como o musical escapista, o neorrealismo e o fantástico, o melodrama e a comédia, a penúria de meios técnicos de uma rodagem artesanal ou a grande produção comercial experimentando novas tecnologias como o CinemaScope, a cor e o 70mm.

Nascido em 1915, em Vale Maior (Albergaria-a-Velha), estudou na Escola de Belas-Artes do Porto, mantendo ao longo de toda a vida uma ligação importante à pintura, às artes gráficas, à ilustração e ao caricaturismo. Foi assistente de realização de Manoel de Oliveira durante a rodagem de ANIKI-BOBÓ (1942) e, depois disso, trabalhou com António Lopes Ribeiro, João Moreira, Jorge Brum do Canto, Armando Miranda e Arthur Duarte. A sua primeira curta-metragem, O DESTERRADO, sobre o escultor Soares dos Reis, foi considerada o melhor documentário português de 1949 e chamou a atenção para o novo realizador. As primeiras longas-metragens – SALTIMBANCOS, NAZARÉ e VIDAS SEM RUMO (1951/52/56) – foram produzidas em condições financeiras e técnicas precárias, tendo sido extensamente mutiladas pela censura e dividido uma crítica polarizada que apenas conseguiu ver nelas um “equívoco neorrealista” ou outro “falso arranque” da desejada renovação do cinema português. Estes filmes foram, no entanto, as obras mais originais e mais arrojadas da década de cinquenta, obrigando a uma revisão urgente das interpretações que remetem esta época apenas a um período negro do cinema português ou a uma mera antecâmara da renovação do Cinema Novo na década seguinte.

Endividado e muito desmoralizado com as reações negativas aos seus primeiros filmes e esgotado após o longo período de refilmagem de VIDAS SEM RUMO a que a censura o obrigara, Manuel Guimarães abandona temporariamente o cinema, vendo-se forçado a aceitar, em 1958, a realização de A COSTUREIRINHA DA SÉ, veículo de grande espetáculo para a estrela do nacional-cançonetismo Maria de Fátima Bravo. O filme foi arrasado pela crítica, insensível ao retrato de um país em mudança que ali também se representava, e Guimarães ganha a reputação de cineasta maldito.

Anos depois, a sua carreira teria um momento de relançamento graças ao produtor António da Cunha Telles, para quem realiza O CRIME DE ALDEIA VELHA (1964), adaptação da peça homónima de Bernardo Santareno. Mas O TRIGO E O JOIO (1965), adaptação de Fernando Namora, é novamente mutilado pela censura e atacado pela crítica. Empurrado para a realização de curtas-metragens de encomenda, Manuel Guimarães dedicar-se-ia ao género com empenho, assinando para o SNI, a RTP e o produtor Ricardo Malheiro mais de uma dezena de documentários, entre os quais se destacam vários sobre o mundo da arte, como ANTÓNIO DUARTE, FERNANDO NAMORA, RESENDE (1969) ou CARTA A MESTRE DÓRDIO GOMES (1971); sobre o trabalho, como TAPETES DE VIANA DO CASTELO (1967), ou ainda TRÁFEGO E ESTIVA (1968), o primeiro filme em 70mm realizado em Portugal.

Em 1972, a comédia LOTAÇÃO ESGOTADA voltaria a penalizá-lo aos olhos do público e, sobretudo, da crítica que o acusou de insistir num género desusado numa altura em que se estreavam obras emblemáticas do cinema moderno português como UMA ABELHA NA CHUVA e O PASSADO E O PRESENTE (1971).

CÂNTICO FINAL (1975), último filme de Guimarães, adapta o romance homónimo de Vergílio Ferreira. Terminado pelo seu filho, Dórdio Guimarães, faz ressoar na vida do seu protagonista os últimos anos de Manuel Guimarães. Tocante reflexão biográfica, CÂNTICO FINAL é a súmula perfeita de uma vida norteada por um sentido ético inflexível e de uma obra desalinhada dos padrões críticos da sua época, mutilada pela censura e menosprezada pela história do cinema, mas sempre caracterizada por uma grande dignidade artística.

A sessão de abertura, com SALTIMBANCOS, tem lugar na sala M. Félix Ribeiro, às 21h30 de 8 de junho (ver entrada respetiva).

de http://www.cinemateca.pt/programacao.aspx?ciclo=492

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