No centenário do nascimento de Manuel
Guimarães (1915-1975), a Cinemateca homenageia o realizador com uma
retrospetiva integral da sua obra, numa iniciativa realizada em
colaboração com a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira / Museu do
Neo-Realismo, no contexto da exposição que ali será inaugurada a 17 de
Outubro próximo - Manuel Guimarães, Sonhador Indómito, com
curadoria de Leonor Areal - e da edição do catálogo dessa exposição que
contará com o apoio da Cinemateca. Um dos mais incompreendidos e mais
injustamente desconhecidos realizadores portugueses, a cuja obra a
Cinemateca dedicou uma primeira retrospetiva em 1997 (“Manuel Guimarães:
A Travessia do Deserto”), Manuel Guimarães é um nome incontornável na
história do cinema português e o autor de uma obra importante que é
urgente rever e redescobrir.
Manuel Guimarães acolheu nos seus filmes influências e referências das
mais variadas proveniências, da literatura à pintura e, no cinema, do
expressionismo alemão ao realismo poético francês, do cinema soviético
ao cinema clássico americano. Os seus filmes tocam, ainda, tanto a
mensagem social como o musical escapista, o neorrealismo e o fantástico,
o melodrama e a comédia, a penúria de meios técnicos de uma rodagem
artesanal ou a grande produção comercial experimentando novas
tecnologias como o CinemaScope, a cor e o 70mm.
Nascido em 1915, em Vale Maior (Albergaria-a-Velha), estudou na Escola
de Belas-Artes do Porto, mantendo ao longo de toda a vida uma ligação
importante à pintura, às artes gráficas, à ilustração e ao
caricaturismo. Foi assistente de realização de Manoel de Oliveira
durante a rodagem de ANIKI-BOBÓ (1942) e, depois disso, trabalhou com
António Lopes Ribeiro, João Moreira, Jorge Brum do Canto, Armando
Miranda e Arthur Duarte. A sua primeira curta-metragem, O DESTERRADO,
sobre o escultor Soares dos Reis, foi considerada o melhor documentário
português de 1949 e chamou a atenção para o novo realizador. As
primeiras longas-metragens – SALTIMBANCOS, NAZARÉ e VIDAS SEM RUMO
(1951/52/56) – foram produzidas em condições financeiras e técnicas
precárias, tendo sido extensamente mutiladas pela censura e dividido uma
crítica polarizada que apenas conseguiu ver nelas um “equívoco
neorrealista” ou outro “falso arranque” da desejada renovação do cinema
português. Estes filmes foram, no entanto, as obras mais originais e
mais arrojadas da década de cinquenta, obrigando a uma revisão urgente
das interpretações que remetem esta época apenas a um período negro do
cinema português ou a uma mera antecâmara da renovação do Cinema Novo na
década seguinte.
Endividado e muito desmoralizado com as reações negativas aos seus
primeiros filmes e esgotado após o longo período de refilmagem de VIDAS
SEM RUMO a que a censura o obrigara, Manuel Guimarães abandona
temporariamente o cinema, vendo-se forçado a aceitar, em 1958, a
realização de A COSTUREIRINHA DA SÉ, veículo de grande espetáculo para a
estrela do nacional-cançonetismo Maria de Fátima Bravo. O filme foi
arrasado pela crítica, insensível ao retrato de um país em mudança que
ali também se representava, e Guimarães ganha a reputação de cineasta
maldito.
Anos depois, a sua carreira teria um momento de relançamento graças ao
produtor António da Cunha Telles, para quem realiza O CRIME DE ALDEIA
VELHA (1964), adaptação da peça homónima de Bernardo Santareno. Mas O
TRIGO E O JOIO (1965), adaptação de Fernando Namora, é novamente
mutilado pela censura e atacado pela crítica. Empurrado para a
realização de curtas-metragens de encomenda, Manuel Guimarães
dedicar-se-ia ao género com empenho, assinando para o SNI, a RTP e o
produtor Ricardo Malheiro mais de uma dezena de documentários, entre os
quais se destacam vários sobre o mundo da arte, como ANTÓNIO DUARTE,
FERNANDO NAMORA, RESENDE (1969) ou CARTA A MESTRE DÓRDIO GOMES (1971);
sobre o trabalho, como TAPETES DE VIANA DO CASTELO (1967), ou ainda
TRÁFEGO E ESTIVA (1968), o primeiro filme em 70mm realizado em Portugal.
Em 1972, a comédia LOTAÇÃO ESGOTADA voltaria a penalizá-lo aos olhos do
público e, sobretudo, da crítica que o acusou de insistir num género
desusado numa altura em que se estreavam obras emblemáticas do cinema
moderno português como UMA ABELHA NA CHUVA e O PASSADO E O PRESENTE
(1971).
CÂNTICO FINAL (1975), último filme de Guimarães, adapta o romance
homónimo de Vergílio Ferreira. Terminado pelo seu filho, Dórdio
Guimarães, faz ressoar na vida do seu protagonista os últimos anos de
Manuel Guimarães. Tocante reflexão biográfica, CÂNTICO FINAL é a súmula
perfeita de uma vida norteada por um sentido ético inflexível e de uma
obra desalinhada dos padrões críticos da sua época, mutilada pela
censura e menosprezada pela história do cinema, mas sempre caracterizada
por uma grande dignidade artística.
A sessão de abertura, com SALTIMBANCOS, tem lugar na sala M. Félix Ribeiro, às 21h30 de 8 de junho (ver entrada respetiva).
de http://www.cinemateca.pt/programacao.aspx?ciclo=492
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