Um português que aplicou os princípios ideológicos do neo-realismo
ao cinema; um italiano que deles se quis autonomizar e assim ajudou a
inventar a chamada "comédia à italiana"
A Cinemateca Portuguesa vai homenagear Manuel Guimarães, a partir
desta segunda-feira, com uma retrospectiva integral da sua obra, em
colaboração com o Museu do Neo-Realismo, no centenário do nascimento do
cineasta.
Cartaz de Os Saltimbancos DR |
O ciclo Rever Manuel Guimarães vai
permitir a reconstrução do percurso do cineasta, que se destacou pela
aplicação dos princípios ideológicos do neo-realismo à Sétima Arte,
nomeadamente a denúncia das desigualdades sociais, patente em filmes
como Nazaré (1952), com argumento de Alves Redol, Vidas Sem Rumo (1953-56), ou O Crime de Aldeia Velha (1964).
A sessão de abertura está marcada para segunda-feira, dia 8, às 21h30, com a exibição de Saltimbancos (1951),
primeira longa-metragem de Manuel Guimarães, filme "que marcou a
diferença no cinema português do começo da década de 1950, relativamente
às comédias 'à portuguesa que então se faziam, procurando aproximar-se
dos modelos do neo-realismo italiano", realça o comunicado da Cinemateca
Portuguesa - Museu do Cinema a apresentar o ciclo.Manuel Guimarães é "um dos mais incompreendidos e mais injustamente desconhecidos realizadores portugueses, cuja obra é urgente rever e redescobrir", lembra ainda a Cinemateca sobre o realizador que surge nos anos de 1950, antes da emergência do Cinema Novo da década de 1960.
Nascido na região de Albergaria-a-Velha, em 1915, Manuel Guimarães iniciou a carreira no cinema, integrado nas equipas de Manoel de Oliveira (de quem foi assistente de realização, em Aniki-Bóbó, em 1942), Brum do Canto ou Arthur Duarte, depois do curso de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto.
Realizou o primeiro filme em 1949, a curta-metragem O Desterrado, sobre o escultor Soares dos Reis. Seguir-se-ia Saltimbancos, de 1951, que adaptava o romance de Leão Penedo. Acentuou a crítica social em Nazaré, sobre o dia-a-dia dos pescadores, e em Vidas Sem Rumo, centrado nas comunidades mais pobres de Lisboa, obras que o transformaram em alvo da censura e da ditadura do Estado Novo.
Para sobreviver, passou a dirigir filmes comerciais e reportagens de acontecimentos desportivos. Foi nesse contexto que surgiu A Costureirinha da Sé (1958), exemplar tardio da comédia "à portuguesa", já em registo de filme-opereta, filmado na zona histórica do Porto e marcado por um apurado trabalho da cor.
Na década de 1960, dirigiu O Crime da Aldeia Velha (1964), sobre a peça homónima de Bernardo Santareno, e "O Trigo e o Joio (1965), a partir do romance de Fernando Namora.
O documentário, porém, dominava a sua actividade regular: produções de arte para a RTP e filmes sobre temas como os tapetes de Viana do Castelo, o ensino das Belas Artes, o escritor Fernando Namora, o escultor António Duarte, os pintores Dórdio Gomes e Júlio Resende, ou Areia Mar – Mar Areia, já da década de 1970.
Tráfego e Estiva (1968), curta-metragem sobre Lisboa ribeirinha, com música de Carlos Paredes e narração de Luís Filipe Costa, foi o primeiro filme português rodado em 70 milímetros.
Em 1972, Manuel Guimarães ensaiaria a comédia em Lotação esgotada". Mas foi com Cântico Final (1975), a partir do romance de Vergílio Ferreira, que fez ressoar, no protagonista, os seus últimos anos de vida, como destaca a Cinemateca, na apresentação da obra. "Tocante reflexão biográfica", escreve a instituição, Cântico Final é a súmula perfeita de uma vida norteada por um sentido ético inflexível e uma obra desalinhada dos padrões críticos da sua época, mutilada pela censura e menosprezada pela história do cinema, mas sempre caracterizada por uma grande dignidade artística".
Manuel Guimarães morreu em Janeiro de 1975, aos 59 anos. A montagem de Cântico Final foi concluída por seu filho, Dórdio Guimarães.
O ciclo Rever Manuel Guimarães vai decorrer até 30 de Junho, na Sala Luís de Pina. A retrospectiva antecede a exposição Manuel Guimarães, sonhador indómito, com curadoria de Leonor Areal, que será inaugurada a 18 de Outubro no Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira, onde ficará até 28 de Fevereiro de 2016.
Este ciclo dedicado a um noma marcante da história do cinema português vai decorrer em simultâneo com uma programação em que a Cinemateca celebra, neste mês de Junho, outros dois nomes fundamental da história mundial da Sétima Arte: o actor e realizador norte-americano Jerry Lewis e o realizador italiano Mário Monicelli (1915-2010). Do primeiro, está já a decorrer, na Sala M. Félix Ribeiro, o ciclo A ordem desordenada, título que expressa bem a diversidade incatalogável da carreira desta personagem, actualmente com 89 anos.
Iniciado no passado dia 3 de Junho, o ciclo exibe este sábado Um Espada para Hollywood (1956), realizado por Frank Tashlin, e, segunda-feira, O Herói do Regimento (1957), de George Marshall. O programa dedicado a este que a Cinemateca apresenta como "o último dos cómicos totais" do cinema vai prolongar-se até ao mês de Julho.
Já na próxima semana, a partir de sexta-feira, dia 12, novo ciclo, desta vez dedicado a um dos grandes nomes da comédia à italiana, na passagem do centenário do nascimento de um cineasta que não era crente nas propostas do neo-realismo iitaliano, estando obviamente ensopado pela ferocidade da realidade. Mario Monicelli, Cem Anos de Cinema vai exibir nove filmes, entre Gangsters Falhados (dia 12) e Um Herói do Nosso Tempo (dia 24).
de http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/cinemateca-assinala-centenario-do-cineasta-manuel-guimaraes-com-integral-da-obra-1698140?page=-1
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